sexta-feira, 21 de março de 2014

Salvação



Cartas prontas, roupa escolhida, ligações feitas. Luz acesa, quarto organizado, pensamentos bagunçados, talhos iniciados.

Os olhos refletiam o vazio da alma. Sempre pensou que estava fadada a um destino podre, à inutilidade de uma vida marcada pela sensualidade e pela malícia. Não se sentia assim na infância, mas viu-se como um corpo vazio entre corpos de mulheres e homens durante o pouco tempo de adulta.

Lágrimas escorrendo, sangue maculando o vestido, memória rasgando-se em clarões e raios. Um grito, a dor, um arrependimento, o vazio da morte solitária.

As mãos tremiam a frieza do coração aflito. Lembrou-se da tia que ousou ter o mesmo fim que ela. Pensou nas frases que sempre ouviu das amantes. Chorou.

Pulsos abertos, lençol manchado, silêncio. A partida trazia a certeza de que ela sempre esteve fadada ao luxo e ao lixo alheios, como uma boneca de louça em mãos impuras. Lembrou-se da mãe, pediu perdão a sua amada, que ligou no último instante ,  fechou os olhos, bebeu as lágrimas da morte.


Leila Andrade

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