domingo, 28 de agosto de 2011

Saudade de Janetinha




Sempre pensei, bem escondido, que Deus é egoísta. Só pensei, porque essas coisas a gente não divulga. Até que ele resolveu me dar uma lição.
Quando mainha nos deixou, eu me desentendi com Deus. Briga feia! Chorei, fiz chantagem, disse sandices, tentei indiferença e até fiz promessa para ele desfazer a ação... fui obrigada a aceitar e me calar. Imaginava que, se fingisse aceitar de bom grado a pancada divina, eu não seria apanhada sem aviso nunca mais. Errei feio!
Anteontem Deus veio terminar a lição: separou divinamente os cacos que eu levei quatro anos pra juntar. Ele veio ter com Janetinha e, na hora de partir, resolveu que ela lhe faria companhia em sua morada. E ele não fez nem questão de mandar avisar com antecedência! Doeu demais, está doendo ainda.
Feridas à parte, finalmente consegui entender o porquê de pessoas tão maravilhosas partirem cedo. Deus não é egoísta, ele nos dá o tempo necessário para desfrutarmos do amor, da alegria e da sabedoria de cada ser humano ao nosso redor.
O criador não é nem bobo de perder a chance de desfrutar pessoalmente da estonteante felicidade daquela senhorinha linda que faz qualquer um chorar de rir. Certamente, ele ouvirá as histórias de suas mil viagens pelo Brasil, de seu amor pelo esposo, das mudanças e da evolução do Cratinho de açúcar e tantas, tantas coisas. Eu ainda posso ouvir a voz de Janetinha me dizendo que até os ratos do Rio de Janeiro são lindos e gordos. Estou morrendo de inveja de Deus porque ele poderá eternamente ouvir a risada gostosa dela ao ver televisão e o famoso “Vaalha”. O jeito janetiano de ser ninguém esquece.
Mandei avisar a Deus, eu não quis vê-lo ainda hoje, que todos nós compreendemos mais esta pancada, mas fiz questão de deixar claro que a ferida vai doer por muito tempo. O pessoal lá do supermercado São Luís vai demorar muito a acostumar-se com a ausência dela todas as manhãs; e também os vizinhos, a senhora que cuidava de suas plantas, o taxista que a levava ao centro, a comadre, as irmãs, Isoldinha e Guto, seus filhos, amigos e eu, que estou despedaçada. Lembrei agora de te ter-lhe dito meses atrás que sentia sua falta e que a amava muito.


Leila Andrade